segunda-feira, 20 de julho de 2009

Capítulo dois: Alvo

Pasta de Objetivos: 523
Arquivo: 1500
Alvo: 1520
Rotina: de 23/12/2008 a 2/1/2009
Arquivos anexos: Fotos do Alvo e das pessoas que conviveram com ele no período de vigilância. (Avó Materna, Primos, Tios, Provável Namorado e Psiquiatra).


Perfil

Descrição Física: pessoa atraente, cabelo vermelho-escarlate, lisos; magra, 54 quilos, 1,70 de altura, olhos de tonalidades que variam do ‘mel’ ao azul celeste, dependendo do humor, condições climáticas e até mesmo disposição. Míope, usa óculos, pé número 36. Já teve catapora, o que explica as marcas em seus braços. Há uma pequena mancha rosada em sua nuca que varia de tamanho com seu humor.

Descrição Psicológica: Sofre de Transtorno Bipolar.



Terça-Feira, dia 23 de Dezembro de 2008.

“Aniversário de 23 anos do Alvo, ele veio comemorar com seus parentes: dois primos, dois tios e uma sobrinha e a avó materna, o Alvo chegou ao local destinado à comemoração, uma pizzaria, às 19h00min e foi embora para sua casa às 23h03min. Sem maiores transtornos. Fim da gravação.”


Quarta-Feira, dia 24 de dezembro de 2008.

“Véspera de Natal, o Alvo foi cear na casa de sua avó materna, até à meia-noite sem maiores transtornos, mas, depois da troca de presentes, sem motivo aparente, o Alvo explodiu em fúria, xingou todos os presentes de todo tipo de nome, depois de dez minutos o Alvo acalmou e caiu num pranto sem fim, dizendo estar arrependido do que fez. Foi chamado um táxi para levar o Alvo embora para sua casa. Uma ressalva: quando o Alvo estava sendo acompanhado até o táxi consegui ver sua mancha na nuca: ela estava extremamente grande, e um pouco mais escura, chegando a estar vermelha, no mesmo tom do cabelo do Alvo, muito diferente do rosa claro habitual, a respeito do tamanho, até posso afirmar que ela descia pelas suas costas, não consegui dar uma forma definida a ela. Fim da gravação.”


Quinta-Feira, dia 25 de dezembro de 2008.

“Natal, o Alvo passou o dia e a noite inteira sozinho em casa, em prantos. Fim da Gravação.”


Sexta - Feira, dia 26 de dezembro de 2008.

“Hoje, como ontem, o Alvo passou o dia em sua casa, recebeu visitas da avó Materna, e de seu, creio eu, namorado; o Alvo não sofreu alterações bruscas de humor, ficou calmo todo o tempo. A sua mancha estava no tamanho ‘normal’ e,quando ela encontra-se assim, tem a forma de um círculo, veja bem, um círculo, e não uma bola. Fim da Gravação.”



Segunda - Feira, dia 29 de dezembro de 2008.

“No sábado, 27, e no domingo, 28, o Alvo, como sempre, foi à casa de sua avó materna, parece-me que lá é um dos lugares em que ele sente-se mais seguro. Hoje, segunda, dia 29, o alvo acordou de manhã e foi para seu trabalho. O segui até seu prédio, e por ali fiquei, às 11h30min o alvo saiu para almoçar num café que há em frente ao prédio, voltou à 13h30min, seu expediente terminou às 18h00min, o alvo foi embora em seu próprio carro, um Corsa Sedan Prata, ano 2000. Fim da Gravação.”


Terça e quarta-feira, dias 30 e 31 de dezembro de 2008.

“A Rotina do alvo resume-se a ir para o trabalho, almoçar no café, voltar embora, jantar, tomar banho, ler um livro e dormir entre as 09h31min e 10h00min, sem maiores transtornos. Fim da gravação.”


Dia 31 de dezembro de 2008 e 1° de Janeiro de 2009.

“Atipicamente, o Alvo acordou às 11h01min, mesmo tendo ir dormir às 09h40min, trocou-se e saiu de casa, foi para casa da sua avó materna. Oh, claro, véspera de ano novo. Lá o Alvo ficou, numa comemoração com poucas pessoas, bebeu um pouco de champagne, vinho e um misto de maracujá com vodka e leite condensado. Às 03h00min surtou, parece-me que a causa foi uma taça quebrada, que , quando caiu, respingou em sua roupa. O Alvo grito, esbravejou, e, como sempre, chorou no final de tudo, Ninguém discutiu com ele, parecem estar acostumados com essa situação. Um ponto importante: a mancha ficou de um vermelho escarlate, atingindo tons de roxo, e desceu novamente por suas costas, como uma cobra, ela não se espalha por toda sua costa, pelo que vi; desci em linha; o Alvo não retornou para sua casa, foi convencido a dormir na casa de sua Avó. Fim da Gravação.”


Dia 1° de Janeiro de 2009.

“O alvo está calmo, mas não consegue mais se conformar com essa situação de altos e baixos, em relação ao humor. Resolveu que amanhã procurará ajuda. O alvo voltou a sua casa no final da tarde. Fim da gravação.”


Dia 2 de janeiro de 2009.

“O alvo foi ao médico psiquiatra Dr. Márcio Soares, estranhamente sua consulta já havia sido marcada pela sua Avó, no dia 30 de dezembro, mesmo que naquela época o Alvo não havia se decidido se procuraria ajuda. Como eu já sábia, foi constatado Transtorno Bipolar, o médico nem examinou o Alvo direito, parece que ele já sabia qual era o seu problema. Estranho. Fim da Gravação.”

Capítulo um: Chuva.

Merda! Foi o que eu pensei quando chutei o pé da mesa do escritório onde trabalhava,
Só pode ser a maldita Lei de Murphi, quem diria que depois daquele calorão iria chover em plena Sexta, quando eu estava praticamente implorando para os céus por uma noite estrelada? E agora isso, quase que arranco meu dedão do pé. Calma, calma, já são 15h55min, mais 5 minutos e estarei livre desse inferno.
- Pessoal, como estou bonzinho hoje, vou liberá-los mais cedo, podem ir embora – Meu chefe, Willian, começou – para suas casas! – e finalizou o pequeno discurso com uma empolgação irritante acompanhada de uma piscadela pra mim.
Bonzinho? Nos liberar 5 minutos mais cedo é bonzinho? Claro, Willian, seu terreno no céu já está comprado, e vai pro inferno com sua piscadinha.
- Ai, Seu Moraes, assim eu fico sem graça – Urgh.
Joguei as minhas coisas dentro da bolsa, peguei o Guarda-chuva atrás da porta e saí de dentro do prédio.
Quando botei os pés na rua, meu humor de ruim foi pra péssimo, caía uma chuva com pingos grossos, contínua, o mais estranho que ela caia exatamente de forma vertical, não havia vento, da maneira que suas gotas saiam das nuvens, tocavam o chão. Era uma chuva bonita, eu poderia até admirá-la, se não estivesse nela. Funguei como uma criança birrenta e desci os cinco degraus da escada da porta de entrada. Meu carro estava estacionado logo em frente, comecei a procurar minhas chaves dentro da bolsa, anotação mental: comprar uma bolsa menor. Achei a maldita chave, balancei a cabeça como um cachorro pra tentar tirar o excesso de água do meu cabelo, e , quando minha visão ficou limpa, eu o vi.
Ele estava do outro lado da rua, exatamente em minha direção, usava um sobretudo preto que ia até seus pés, havia um sorriso singelo em seus lábios, seus olhos, ah, seus olhos eram aterrorizantes! Se os olhos são as janelas da alma, aquele homem não tinha nem vestígios de uma; nas mãos segurava um guarda-chuva aberto, como todos segurariam em uma chuva daquelas, mas a impressão que tive era que aquilo não passava de um acessório, se estivesse sem ele, não se incomodaria com a chuva, ela não lhe afetaria, ele que faria mal a chuva. Eu fiquei petrificada, presa em seu olhar, e, só para completar o cenário de filme de terror, um relâmpago cruzou o céu quando o encarei diretamente. Aqueles olhos frios, e, ao mesmo tempo, incandescentes, me senti nua, pareciam me radiografar, não consegui definir a cor de seus olhos. Talvez verdes ou azuis, não importa a cor, eram olhos cruéis. Eu tremi.

Talvez o relâmpago tenha me despertado do pequeno transe que entrei quando o encarei ficando presa em seu olhar ou meu instinto de sobrevivência tenha o feito, quem sabe, só sei que a situação ficou ainda mais estranha quando notei que só havia eu e ele na rua, mesmo num horário de pico. Ele, do outro lado, com seu guarda-chuva preto, negro, mórbido. Eu aqui, com meu guarda-chuva vermelho, escarlate, vivo. Essa analogia não me ajudou muito no fator tremedeiras
Um medo irracional me dominou, entrei às pressas no carro, pisei no acelerador e fui em frente, quase estourando o limite de velocidade. Me permite a dar um olhada no retrovisor, ele ainda estava lá, na chuva contínua,imóvel, me encarando. Me distraí com um gato preto cruzando a minha frente, olhei novamente pro retrovisor, o homem havia desaparecido como fumaça, um arrepio desceu pela minha espinha.
Num impulso, peguei meu celular, disquei, e esperei. Chamou três vezes. Atenderam -
- Alô, Gustavo?Aconteceu algo muito estranho comigo hoje... Me ouve e dá sua opinião...

E relatei tudo o que aconteceu desde que saí do prédio. No momento em que a narrativa alcançou o homem-do-guarda-chuva caí num choro repentino.